Luciana Michel


Futebol e amor

 Conheci meu marido perto da Copa de 98. Bom programa para um início de namoro, olhar juntinhos os jogos. Ótima oportunidade de levar o novo amor nas reuniões enormes de família e amigos, que costumamos fazer nos dias de seleção brasileira em campo. Quentão, pipoca, folga no trabalho, bola rolando, combo perfeito para facilitar a aceitação e a empatia, dos tios mais sisudos, com o pretendente a novo integrante do “clã”. Até em Dom Pedrito, assistimos umas partidas. Tudo ótimo e maravilhoso, não fosse ele francês e sua pátria mãe a anfitriã do mundial, naquele ano. Bom, pelo menos ele não era argentino e a disputa não se passava em campos hermanos. (Ufa!) Nada contra eles, mas sabendo o quanto o futebol nos causa, digamos, certas rivalidades, acredito que talvez meu romance tivesse sido ameaçado.

 Algumas tocadas de flauta depois, vindas da minha turminha brasileira em relação ao meu estrangeiro recém-chegado, aliás, diga-se de passagem, aturadas por ele, com muita educação, bom humor e a superioridade de quem acreditava no seu time, eis que chegamos à grande final. No dia da decisão, a função toda foi na casa dos meus pais! Telão alugado, sala decorada e turma fantasiada. E meu francês, ali, no meio de tudo aquilo, discreto, pediu para a torcida anfitriã o justo direito de também pendurar sua bandeira e vestir sua camiseta. Nervos à flor da pele, mas todos adorando a ideia de ganhar o título tendo como testemunha um representante do rival da hora. Não passava pela cabeça de ninguém, ou talvez só pela do solitário torcedor do time adversário, a França ganhar, muito menos de três a zero. Bom, acho que isso pegou de surpresa, até meu confiante namorado. Com o favoritismo dos verde amarelos, e certos de uma vitória tranquila, a grande preocupação de todos lá em casa, principalmente do meu pai, era de como levar o “gringo” no aeroporto, pois ele morava em São Paulo na época e precisava pegar o avião logo depois da decisão final. Seria um Deus nos acuda, já que tínhamos que atravessar a cidade e, certamente, devido às comemorações, as ruas estariam bloqueadas e o transito infernal, por causa das comemorações. Mil esquemas, como se fosse uma operação de guerra. Até em contratar um helicóptero, acreditem ou não, foi lançado como ideia. Então, diante de todos nós, o primeiro gol de Zidane e o começo do fim para a maioria presente. No segundo gol, o namorado de uma prima minha teve que tomar um calmante e a outra parte da galera, com os ânimos totalmente alterados, teve vontade de rasgar em pedacinhos aquele enorme telão, que de tão grande, dava a impressão de aumentar ainda mais a péssima atuação de nossos jogadores. Depois do resultado final, que lembraremos para sempre, mesmo entre choros e decepções, todos abraçaram e parabenizaram o grande vencedor. Ele, por sua vez, que durante os 90 e poucos minutos, abafou sua vibração em consideração ao resto presente, pode então, enrolado na sua bandeira que se destacava totalmente de nosso cenário verde amarelo, com seu precário português da época, falar o que pensava: “Foi uma grande honra assistir essa final com vocês e, honra maior ainda, ter vencido da melhor seleção do mundo!”

 Não preciso nem dizer que, além de conseguiu comover a todos, me deixou ainda mais apaixonada. A cena seguinte, seria a tão planejada e temida “maratona” para pegar seu avião, e foi uma das mais emocionantes do nosso namoro. No cenário de uma Porto Alegre totalmente vazia e nitidamente com ar de derrota, lá fomos nós em direção ao Salgado Filho, eu, ele e meu irmão, que a essas alturas, já comemorava a conquista alheia. Com a janela do carro aberta, meu vitorioso francês, abanava sua bandeira num orgulho tão contagiante, que iluminava as ruas desertas da cidade. Adentrou o aeroporto com o carrinho de bagagens coberto pelo seu estandarte tricolor, representando de uma forma linda, em terras estrangeiras, o triunfo de seu país. Esse dia foi inesquecível e ficou na história, não só das seleções francesas, brasileiras e suas nações, mas particularmente, na vida de um jovem e apaixonado casal que nem imaginava que bem antes da próxima copa começar, já teriam unido suas torcidas diante do altar e jogariam para sempre no mesmo time.

 PS: só para constar, a título de curiosidade, um mês depois, estava eu e meu querido namorado, aproveitando o verão em Saint Tropez (praia francesa), e qual minha surpresa, ou seria meu prêmio de consolação? Meu vizinho de guarda-sol, era ninguém menos que o goleiro Barthez. Eu mereço!

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