Silvio Bermann


Normalidade é só um conceito. O Homem precisa superar-se!

 Afinal, como podemos conceituar ‘normalidade’? Para Sigmund Freud, o Pai da Psicanálise, a normalidade ideal é uma utopia. A normalidade poderia ser considerada como uma “ausência de sintomas, de sinais ou de doenças”; em outro conceito, a ‘normalidade estatística’ levaria em conta o que configura o padrão em determinada sociedade, sendo o que fugisse desse padrão tido como anormal; existe, ainda, a ‘normalidade funcional’, quando um fenômeno é considerado patológico (doença) e provoca sofrimento para o próprio indivíduo ou para o grupo social onde está inserido. E por aí vão os conceitos de normalidade, que, como se pode notar nesta pequena amostra, são bastante relativos dependendo do ponto de vista que se estude o objeto da apreciação.
Vamos, então, no popular: quem pode se considerar, definitivamente, um “sujeito normal”? E quem atirará a primeira pedra no suposto ‘anormal’, acusando-o de descompor a configuração da maioria?

 A verdade é que as grandes massas seguem, instintivamente, a senda determinada pelo seu espírito de rebanho. É o que de mais antigo e puro há na natureza humana para que esta atingisse o desiderato de sua preservação como espécie. O vagar em bandos - daqui para lá e de lá para cá, com o objetivo maior de tão somente sobreviver ante um mundo hostil e detendo poucas ferramentas para conseguir esse intento -, é o cenário desolado onde essa verdade pode ser inteligível. Para esse primata, preterir o mais fraco, o ferido, o ‘diferente’, que poderia comprometer a integridade do grupo, nos permite dirigir-lhe uma avaliação tolerável de razoabilidade naquele espaço-tempo onde estava inserido. Mas, sabemos hoje, o Homem é muito maior do que isto e os saltos qualitativos que deu em sua evolução bem o comprovam. Inobstante o espírito de rebanho permanecer sempre latente em seu íntimo e manifestar-se com maior ou menor intensidade até nos tempos contemporâneos.

 O cenário se complexificou, refinou-se até, as necessidades são outras, mas a destino das massas continua sendo, de certa forma, determinado pelas mesmas limitações de seus ancestrais. A caça para garantir a alimentação, a caverna para abrigar-se da inclemência do tempo, a pedra ou o osso como armas para a defesa ou o ataque foram substituídas por alimentos industrializados, prédios imponentes e instrumentos bélicos sofisticados. Mas, se razão maior não buscarmos para nossa existência, continuaremos vagando em bandos, agora nas grandes cidades, contentando-nos que o pouco tempo de cada vida se esvaia em meio a consumo desenfreado, conceitos fúteis e niilismo crescente quanto mais se conquiste evolução tecnológica e ferramentas sofisticadas para facilitar a sobrevivência.

 O Homem precisa transcender-se. O Homem deve libertar-se dos grilhões impostos pelos instintos ancestrais que sempre foram tão úteis à preservação do rebanho, mas não oferecem a substância necessária ao salto qualitativo que deve ser perseguido pelos que anseiam superar-se.

 O Homem precisa atingir o discernimento de que é muito mais do que um amontoado de células e que os valores superiores podem estar presentes até em um corpo frágil, limitado e diferente do padrão imposto por uma sociedade que vive e julga pelas peculiaridades da carne.

 Neste contexto, surge a Inclusão, a Luta Anti-maniconial, o entendimento de que somos todos tripulantes em uma grande nave que nos levará onde nossas intenções desejarem e desde que todos, segundo as suas peculiaridades, possam utilizar seus dons e talentos para sua própria evolução e também para contribuírem, cada qual à sua maneira, às funções sociais que de cada um se espera. Para quem possui essa visão de mundo, as grandezas não são mensuradas por tamanho ou forma. Eis que é justamente a diversidade da vida o que a torna tão fascinante.

 As imagens, nesta Página, são das Oficinas desenvolvidas no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) de Dom Pedrito, órgão ligado à Secretaria Municipal de Saúde. Saúdo a competente equipe multidisciplinar que lá atua, nas pessoas do coordenador Vagner Vargas Oliveira e do idealizador da maioria dessas oficinas, Leonel de Oliveira Gomes. Essa gente faz a diferença que realmente importa: os profissionais lutam para incluir os usuários das oficinas entre os ditos ‘normais’; e eles próprios, as dezenas de usuários daqueles serviços,  batalham, com o maior esforço possível, para conquistar seu espaço na sociedade através do canto, da música, do esporte, do teatro e outras formas de manifestação de sua humanidade. Aos que não cantam, não tocam nenhum instrumento, não se exercitam, não atuam, pergunto: quem é mais ‘normal’ nessa história? Cumprimentos a todos que conseguem dar um passo além do extremo. Realmente, eles não são normais, em muitos aspectos até nos superam. Carpe diem!

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