Filme da pedritense Lícia Arosteguy concorrerá entre curtas gaúchos no 46º Festival de Cinema de Gramado


 A pedritense Lícia Arosteguy, filha da diretora do Compasso Centro de Dança, Luciane Jardim Arosteguy da Rosa, e do médico Marco Paulo Farinha da Rosa, estará concorrendo na categoria Curtas Gaúchos, durante o 46º Festival de Cinema de Gramado, que acontecerá de 17 a 25 de agosto deste ano.

 O filme, com duração de 19'58", se chama Movimento à Margem (2018), e a direção é de Lícia e de Lucas Tergolina. A temática da película, bem como algumas ideias de nossa conterrânea com relação à cultura, os leitores da Página podem conferir nessa rápida entrevista que fiz com ela, à distância, uma vez que está radicada em São Paulo.
Por Silvio Bermann

Impressões de Lícia

Página - Lembro quando divulgamos tua exposição fotográfica ‘O Corpo da Cidade’, realizada em 2016, na Usina do Gasômetro; também és bailarina, designer e agora estás com uma produtora de cinema, levando um curta para o Festival de Cinema de Gramado. É muito dinamismo. Como te defines nesse universo da cultura?

Lícia - Sempre fui fascinada por imagens, e acho que a imagem é o fator comum entre todas as coisas que busquei e busco na minha trajetória. Um cartaz, uma fotografia, o corpo de um bailarino em movimento, uma cena de um filme…tudo isso são imagens. Hoje trabalho principalmente como diretora de fotografia, autônoma, em filmes, mas acho que todas as coisas que já fiz contribuíram para que eu me voltasse para esse caminho. Quando estás filmando, por exemplo, é como se estivesses fazendo a câmera dançar com os atores. Existem, de fato, no cinema, “coreografias de câmera”… ou seja, todas essas coisas estão mais relacionadas do que pode parecer num primeiro momento.
    
Página - Fala um pouco sobre o projeto do filme “Movimento à Margem” e o que pretendes atingir com ele.

Lícia - Movimento à Margem é um curta-metragem documental sobre a Sala 209, da Usina do Gasômetro, que, vinculada ao Projeto Usina das Artes, foi um espaço público dedicado ao desenvolvimento, estudo e difusão da dança contemporânea em Porto Alegre. Através de depoimentos de artistas do Coletivo de Dança da Sala 209, o filme traça um panorama do trabalho desenvolvido nesse espaço e contextualiza o cenário que levou ao fim de suas atividades. A intenção é registrar a memória de um projeto que foi muito importante para a arte independente de Porto Alegre e  levar ao público uma reflexão mais ampla sobre o crescente sucateamento do setor cultural no Brasil.

 O projeto foi concebido juntamente à artista Bia Diamante e aos coreógrafos e bailarinos Eduardo Severino e Luciano Tavares, que desde 2005 coordenaram as atividades da 209, e que, inclusive, já dançaram em Dom Pedrito, a convite da minha mãe, Luciane da Rosa, da Compasso.

 As filmagens aconteceram em junho de 2017, pouco antes de os artistas do projeto Usina das Artes serem removidos do edifício da Usina para uma reforma que até hoje se encontra em fase de licitação. O filme foi realizado de forma independente, contando com a co-direção de Lucas Tergolina, desenho de som de Juan Quintáns e apoio de Rafael Klein, com os equipamentos da R Camera.

Página - Tens transitado por grandes capitais brasileiras, mas estás sempre buscando qualificação no exterior, e lá também desenvolvendo projetos. A exposição O Corpo da Cidade é um bom exemplo, já que a levaste para a Galeria Artevistas, de Barcelona, na Espanha. Até que ponto o artista brasileiro ainda depende de buscar qualificação e visualização fora do País?

Lícia - Não acho que seja uma relação de dependência. Existem mil possibilidades de formação e atuação, tanto no exterior quanto no Brasil. Acho que tudo depende de quais são as intenções de cada um. No meu caso, quando me formei em Design, na UFRGS, já trabalhava paralelamente como fotógrafa, e queria fazer um curso de direção de fotografia para cinema. Minha vontade era trabalhar na prática, e, naquela época, as pós-graduações que achei por aqui eram mais voltadas para a carreira acadêmica. Foi então que pesquisei opções no exterior, e, para a minha surpresa, em 2013, com o Real mais valorizado que hoje, sairia mais caro fazer uma faculdade privada de Cinema em Porto Alegre ou um curso em São Paulo do que a pós-graduação que mais me interessava, em Barcelona.

 O enfoque profissional, ao invés de acadêmico, foi um fator decisivo para mim. Na Europa existem muitos cursos, tanto de graduação como de pós-graduação, voltados realmente para quem quer se inserir no mercado de trabalho como cineasta, bailarino, etc. Ser artista é uma profissão, e a oferta de formação para quem quer trabalhar com arte fora do âmbito acadêmico já diz muito sobre a diferença do reconhecimento profissional do artista na Europa e no Brasil. Conheço muitos excelentes bailarinos brasileiros que foram para a Europa e não voltaram mais, pois lá o mercado de trabalho da Dança fora da Universidade é maior que aqui.

 O desmanche do setor cultural no nosso país tem sido tão grande que até mesmo a regulamentação profissional, conquistada em 1978, os artistas estão tendo que defender com unhas e dentes. O reconhecimento profissional da classe artística também é um assunto abordado em Movimento à Margem.

Página - Como teremos acesso ao filme Movimento à Margem? A propósito, fala do mercado brasileiro para os curta-metragens.

Lícia - O mercado para curtas gira muito em torno de festivais, e existe geralmente uma exigência de que para entrar na seleção o filme não tenha sido exibido previamente ao público, exceto exibições em outros festivais. Ou seja, enquanto o filme está circulando nesse circuito, sua difusão acaba ficando restrita a ele. No caso de documentários que tratam de assuntos atuais, e considerando a velocidade com a qual temos acesso à informação hoje em dia, me questiono até que ponto essas regras são favoráveis… Após esse ano de circulação, pretendo disponibilizar o filme na internet e talvez promover algumas projeções abertas ao público em geral.

Página - E tuas relações com Dom Pedrito? Pensas em desenvolver algum dos teus projetos em nível local, ou ao menos também apresentá-los por aqui? Vale, também, um comentário teu acerca do contexto de promover-se a cultura nesta região do Estado.

Lícia - Seria muito legal poder apresentar Movimento à Margem em Dom Pedrito…quem sabe no espetáculo da Compasso? Cresci vendo minha mãe lutar para promover cultura nessa região e acho isso fundamental. A arte provoca a reflexão, o questionamento e até mesmo transformação social, na medida em que abre novas possibilidades às pessoas. Futuramente poderia ser interessante pensar em um workshop de direção de fotografia cinematográfica para adolescentes, pois quando saí da Escola, eu não tinha a menor ideia do que era essa profissão que desenvolvo hoje.

Página - Para finalizar, os filmes curtas, no 46º Festival de Cinema de Gramado, serão todos apresentados que dia? Deverás estar em Gramado nessa data, suponho.

Lícia - A produção do Festival contatou os selecionados na semana passada, parabenizando e prometendo mais detalhes em breve. Depois, na terça-feira (17)ligaram para confirmar: a projeção do filme será no dia 18/8 e deverei estar em Gramado durante alguns dias, sim.

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